Que o comportamento do mercado gastronômico brasiliense entrou num ritmo de mudança frenético no pós-pandemia, a gente já constatou. Muitas casas tradicionais fecharam suas portas, grandes operações foram reduzidas, e outras mudaram de endereço e foco. Em meio a esse movimento, o chamado “resgate” da cultura de boteco e bar “raiz” tem ganhado uma força exponencial, principalmente na Asa Norte. Só nos últimos 12 meses, o bairro ganhou nada menos que seis operações com essa pegada.
Redefinindo o Conceito de Boteco
Mas o que exatamente caracteriza esses novos botecos? Vamos do início, então. Tradicionalmente – e também no dicionário, botequim é descrito como um pequeno estabelecimento comercial que serve bebidas alcoólicas, café, etc., e muitas vezes está associado a uma imagem pejorativa de “bar reles onde são servidas bebidas alcoólicas, tira-gostos, cigarro ou outros artigos; mercearia situada na periferia de uma cidade; birosca”.
Partindo daí, o conceito de boteco ou a famosa “botecagem” atual traz consigo uma ressignificação, saindo do tom negativo para algo a ser relembrado com carinho, abraçando uma visão nostálgica e afetiva daquilo que nos fez feliz um dia e que, agora, volta repaginado, trazendo a simplicidade e a convivialidade de outrora.
Assim, surgem casas com propostas despretensiosas, prontas para imergir o cliente em sua atmosfera simples, com um cardápio enxuto, ambiente sem muita decoração ou frequentemente ao ar livre, e claro, bem familiar, geralmente, tocada por irmãos ou pais e filhos.
Uma Viagem ao Tempo
Vindo da periferia de Brasília, esses locais fizeram parte do meu campo visual, espalhados por onde eu passava, caminhando pela cidade. Quando criança ou pré-adolescente, lembro-me de frequentá-los acompanhado por adultos que se reuniam para socializar com amigos e acabavam levando os pequenos para ficar ali brincando por perto. Bar é lugar de criança? O ideal é que não, mas os anos 1990 tinham suas próprias convenções sociais (risos).
A memória é, realmente, de um ambiente descontraído, com cadeiras e mesas de plástico, comida boa e barata, especialmente com foco em PFs (prantos prontos), porções de petiscos para compartilhar, e bebidas que chegavam à mesa trincando de tão geladas. A música geralmente ficava entre o pagode e o samba. De fato, hoje, já com meus 33 anos, frequentar comércios que tenham essa atmosfera me traz um quentinho no coração e me deixa bem à vontade para desfrutar ao máximo com amigos por horas a fio de bons papos e beliscos.
Asa Norte, a Boêmia
Por isso mesmo, essa onda de bares/botecos abrindo na região central da capital federal, onde o poder aquisitivo é bem diferente das cidades do DF, como bem sabemos, chamou minha atenção. Um dos pioneiros desse filão foi o Bitaca da Norte, selo já consagrado em Belo Horizonte desde 2014 e que desembarcou na 716 Norte em setembro de 2022.
Na minha pesquisa, o Bitaca segue sendo o representante mais fiel ao conceito boteco raiz dessa nova leva, apesar do custo-benefício não ficar muito diferente dos demais. Começando pelos drinks típicos e clássicos, temos a Caipirinha Bitaquinha (caipirinha de limão capeta, xarope simples e cachaça branca) e o Mojito (rum, hortelã, dose de limão, xarope de açúcar e água com gás) na faixa dos R$ 29. Nas cervejas, é possível encontrar a Heineken de 600ml por R$ 18, a Estrella Galícia por R$ 15 e a Amstel por R$ 14. Quanto aos PFs, todos custam R$ 38 e variam a cada dia da semana. Na terça-feira, temos Frango com Quiabo (salada da casa de entrada, frango à moda da roça, quiabo crocante, arroz, feijão rajado, angu e folhas de mostarda – R$ 38); quarta-feira é dia de Tutu com Pernil (salada da casa de entrada, tutu de feijão roxinho, pernil “pinga e frita”, arroz, couve refogada, banana-da-terra grelhada, molho de tomate, ovo cozido e torresminho – R$ 38); e no sábado, é a vez da Rabada com Pirão (rabada feita devagarinho naquele refogado, pirãozinho, arroz e agrião – R$ 42), por exemplo. Os petiscos variam de R$ 13, como é o caso do Pastel de Angu de Cebola ou Ragu (cebola caramelizada, queijo canastra e couve tostada, acompanha gremolata), até R$ 39 pelo Trio de Queijos Mineiros Premiados (Canastra do Miguel, Santana (Serro), Queijo D’Alagoa, queijos maturados entre 30 e 60 dias, acompanhados de melado).
Ali pertinho, na 714/715, o Blocogê também abriu as portas em 2022, dando boas-vindas ao público LGBT que buscava um local nesse estilo para reunir a galera e beber sem gastar muito. No dia em que escrevo essa coluna, o perfil do Instagram deles anunciava Heineken 600ml por R$ 16, rodízio de vinhos por R$ 59 e rodízio de drinks por R$ 65. Por falta de oportunidade, ainda não fui lá conhecer o cardápio de comidinhas, mas está na minha lista.
Mas o boom dos bares ganhou um gás, de verdade, no início deste ano, com a abertura do Zé Torresmo, em janeiro, na 115 Norte. Por lá, já vi uma customização em alguns preços, com o Virado do Zé (arroz, tutu de feijão, linguiça, torresmo, copa lombo, ovo pochê e mostarda), a R$ 48, e o Bife Rolê (arroz, bife rolê, feijão, farofa, cebola crispy e couve), a R$ 42. Mas ainda dá para aproveitar o “PFzão” por R$ 28 e os petiscos como linguiça (400g de linguiça de porco feita na casa, acompanhada de pão), a R$ 48, e o Porco na Lata (200g de porco, fritos à moda pinga e frita), a R$ 18. Na estufa, daquelas que ficam no balcão dos bares mais raízes, há também o Disco de Carne (levemente picante, a R$ 12); o Bolinho de Feijão-Fradinho (recheado com charque – 2 unidades por R$ 12); Bolinho de Linguiça com Jiló (2 bolinhos por R$ 12); e o Bolinho de Chambaril (recheado com requeijão moreno – 2 bolinhos por R$ 15).
Novos Nomes e Cozinhas Autorais
Depois do Zé, foi a vez do Bilisco Bar de Belisco abrir as portas na 413 Norte, sob o comando do chef Diego Badra, que assinava no mesmo endereço o restaurante autoral Conca. O cozinheiro apostou na ideia de cozinha descontraída e apresenta pratos como o Strogonoff de Filé com molho de tomate defumado, creme de leite fresco e cogumelos salteados, acompanhado de fritas da casa (R$ 56); a Carne de Lata feita no fogão a lenha acompanhada de arroz, feijão, couve no alho, ovo frito e farofa de cebola e alho (R$ 56); e a Berinjela Empanada coberta com molho de tomate da casa e queijo gratinado, acompanhada de batata frita (R$ 42).
Para beliscar, sugestões como coxinha de frango (quatro coxinhas de frango, massa de angu com creme de queijo brasileiro, acompanhadas de maionese de pequi – R$ 28); o Coraçãozinho (200g de coração de galinha acompanhado por farofa e vinagrete – R$ 28); e a porção de pastéis (3 pastéis de queijos brasileiros e três pastéis de suã de porco, acompanhados de vinagrete picante e compota de goiabada – R$ 28) compõem o menu. As bebidas alcoólicas têm como destaque receitas autorais para quem curte uma coquetelaria mais rebuscada e, por isso mesmo, está disposto a pagar um pouco mais que os botecos costumam cobrar. Como exemplo, trago o Ziriguidum (Jós cachaça com jambu, hortelã, limão e shrub de abacaxi – R$ 34); o Pi pi pi pó pó pó (White Duck Smoked, xarope de gengibre, maracujá e pimenta-de-macaco – R$ 36); e o GT Bilisco (Single Fin Ocean Gin, tônica e especiarias brasileiras – R$ 36).
O último a ganhar vida, no primeiro semestre, foi o Boteco Caju Limão, na 202 Norte, que traz receitas assinadas pela campeã do Masterchef Profissionais, Babi Frazão. Como petiscos individuais, a chef apresenta o Croquete de Arroz de Polvo picado na ponta da faca com limão galego, finalizado com molho aioli (R$ 19,90); a Coxa Creme de Camarão (coxinha crocante de camarões com Catupiry cremoso – R$ 19,90); e o Risole de Rabada, envolto em massa dourada e crocante, finalizado com aioli e saladinha de agrião (R$ 14,90). Para compartilhar, a casa oferece opções como o Buraco Quente, minipães de sal cortados ao meio no formato de cumbuquinha, com três opções de recheio: pescoço de peru (R$ 37,90), queijo com alho (R$ 34,90) ou um mix dos dois (R$ 37,90). Além disso, há outras porções como a de Filezinho em cubos ao nosso molho de gorgonzola, acompanhado de fritas crocantes e pãezinhos quentinhos (R$ 74,90). A casa também conta com o PF da Chef (picanha preparada na parrilla com alho frito, servida com arroz de castanha-de-caju, farofinha crocante, fritas e vinagrete de feijão – R$ 69,90).
Mas se você acha que a onda parou por aí, está enganado. Em breve, a Asa Norte ganhará mais um endereço nesse estilo. O bistrô francês Le Parisien fechou e o chef Leandro Nunes vai comandar, no mesmo lugar, o Estufa Botequim, na 103 Norte. A operação ainda não tem data de abertura, mas, como o nome adianta, podemos esperar belisquetes em estufa de balcão e cerveja gelada.
Serviço:
Bitaca da Norte
SCLRN 716, Bloco F, Loja 29 – Asa Norte. De terça a sábado, das 12h às 22h; domingos e feriados, das 12h às 17h. Instagram: @bitacadanorte
Blocogê
SHCGN 714/715, Bloco G – Asa Norte. De terça a sexta, a partir das 17h; sábado, a partir das 12h. Informações: (61) 99522-3113. Instagram: @blocoge.bg
Zé Torresmo
CLN 115, Bloco C, Loja 41 – Asa Norte. De terça a domingo, a partir das 11h. Instagram: @zetorresmobsb
Bilisco Bar de Belisco
CLN 413 Norte, Bloco E. De terça a sábado, das 12h às 23h; domingo, das 12h às 16h. Instagram: @biliscobardebelisco
Boteco Caju Limão
CLN 202, BL A Loja 3 – Asa Norte. De segunda a quarta, das 11h30 à 0h; de quinta a sábado, das 11h30 às 1h; e domingo, das 11h30 às 22h30. Instagram: @botecocajulimao
Estufa Botequim
CLN 103, Bloco B Loja 2 – Asa Norte. Abertura em breve.