A assessora administrativa Ana Paula Silva conviveu durante anos com a obesidade e suas complicações. Entre dores nos joelhos, gordura no fígado, depressão e apneia do sono, ela se acostumou a ser “a mais gordinha da família”. Aos 34 anos e pesando 109 kg, decidiu mudar o próprio percurso. “Fiz a bariátrica e, hoje, olhando para trás, me arrependo de não ter feito antes. Tenho mais disposição, qualidade de vida… tudo melhorou”, afirma.
A transformação também alcançou a rotina do marido, Rômulo Gomes, que optou por não realizar a cirurgia, mas aderiu à reeducação alimentar para acompanhar a nova fase da esposa. Ele perdeu 43 kg apenas com ajustes na dieta e prática diária de atividade física. “Além da mudança na alimentação, ele vai à academia todos os dias”, relata Ana Paula.
Histórias como a de Ana Paula e Rômulo refletem um movimento que vem sendo reconhecido em escala global. Diante do impacto crescente da obesidade e do aumento dos casos em todas as faixas etárias, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou, pela primeira vez, suas diretrizes internacionais para o tratamento da doença. O avanço ocorre em um cenário em que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com obesidade no mundo, e a estimativa é de que esse número possa dobrar até 2030 sem intervenções eficazes.
A OMS reforça o entendimento de que a obesidade é uma doença crônica, progressiva e com tendência à reincidência. A entidade destaca que a condição está na base de mais de 200 doenças já conhecidas e incluiu, nas recomendações globais, medicamentos modernos das classes GLP-1 e GIP, popularmente conhecidos como canetas emagrecedoras, como ferramentas eficazes no tratamento, desde que utilizados com critérios médicos bem definidos.
Serviços de referência
Em Brasília, o tratamento da obesidade, especialmente nos casos de maior complexidade, e dos transtornos alimentares é estruturado por unidades de referência na rede pública. Para os pacientes que necessitam de intervenção cirúrgica, o Hospital Regional da Asa Norte (Hran) é o único do SUS no Distrito Federal habilitado para realizar a cirurgia bariátrica, atuando como um centro pioneiro com equipe multiprofissional.
Paralelamente, os casos graves de comorbidades relacionadas, como diabetes e hipertensão, são direcionados para o Centro Especializado em Diabetes, Obesidade e Hipertensão Arterial (CEDOH), referência ambulatorial que oferece um vasto leque de especialidades como endocrinologia, nutrição e psicologia.
Por outro lado, o tratamento dos transtornos alimentares específicos, como anorexia, bulimia e compulsão alimentar, é centralizado no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), que possui um ambulatório multidisciplinar onde os pacientes têm acesso a consultas com nutricionistas, psicólogos e psiquiatras no mesmo dia.
Para acessar qualquer um desses serviços especializados, a porta de entrada obrigatória para o cidadão é a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, onde a avaliação inicial e o posterior encaminhamento via Sistema de Regulação do DF são realizados.
Impacto para a saúde pública
Ao reconhecer formalmente a obesidade como doença crônica e ampliar as possibilidades terapêuticas, a OMS reforça a necessidade de estruturar linhas de cuidado contínuas, com foco na prevenção, no acompanhamento a longo prazo e na redução de complicações associadas.
Para a saúde pública esse avanço representa a oportunidade de fortalecer uma abordagem mais integrada, capaz de reduzir internações evitáveis e a sobrecarga sobre os serviços de média e alta complexidade.
De acordo com a endocrinologista do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF), Martha Sanjad, a mudança de diretriz consolida uma visão mais realista da doença. “Quando a obesidade é reconhecida como condição crônica, o sistema de saúde passa a entender que o cuidado precisa ser contínuo, planejado e integrado. Isso evita tratamentos pontuais, reduz complicações futuras e melhora a qualidade de vida do paciente ao longo dos anos”, destaca.
A médica explica que não há resultado consistente sem a integração entre diferentes frentes de cuidado. “O tratamento só é eficaz quando há associação entre medicação, alimentação equilibrada, acompanhamento contínuo e prática regular de atividade física”, reforça.
“É uma política pública que olha para o presente, mas principalmente para o futuro”
Cleber Monteiro, presidente do IgesDF
Para o presidente do IgesDF, Cleber Monteiro, a decisão da OMS fortalece o planejamento da rede pública e aponta para uma agenda estratégica de longo prazo. “Tratar a obesidade de forma estruturada é investir na sustentabilidade do sistema de saúde. Ao prevenir complicações como infartos, AVCs, insuficiência renal e doenças neurodegenerativas, reduzimos internações, custos e sofrimento. É uma política pública que olha para o presente, mas principalmente para o futuro”, avalia.
Segundo o presidente, enfrentar a obesidade com base em evidências científicas contribui para organizar melhor a atenção primária, qualificar o acompanhamento especializado e diminuir a pressão sobre os hospitais.
Obesidade e cérebro
Além dos efeitos já conhecidos sobre o metabolismo e o sistema cardiovascular, pesquisas recentes mostram que os impactos da obesidade ultrapassam essas fronteiras e atingem diretamente a saúde cerebral. Um estudo da Universidade de Washington identificou que o excesso de gordura corporal pode acelerar em até 95% os marcadores sanguíneos associados ao Alzheimer, indicando que o processo de neurodegeneração pode avançar mais rapidamente em pessoas acima do peso.
O especialista lembra que sempre há tempo para iniciar uma mudança real. “Mesmo após os 40 ou 50 anos, mudanças no estilo de vida trazem benefícios concretos. A consistência é o que determina a diferença ao longo do tempo”, conclui.
*Com informações do IgesDF








