Situada no coração da Itália, a Úmbria é uma região de encantos naturais e culturais que merece ser descoberta. Rodeada por montanhas e com um clima continental, a região desfruta de invernos frios e verões quentes, com chuvas abundantes, especialmente nas proximidades cadeia dos Apeninos. A paisagem é deslumbrante, com campos verdes e vales irregulares que formam mosaicos de tons variados de verde. Apesar de estar próxima à famosa Toscana e ao Lácio, onde se encontra Roma, a Úmbria muitas vezes fica ofuscada por seus vizinhos mais renomados. No entanto, esta região tem muito a oferecer, sobretudo no que diz respeito aos vinhos.
A Tradição Vitivinícola da Úmbria
O vinho é uma das principais culturas agrícolas da Úmbria, ao lado dos cereais e do tabaco. Quase todas as propriedades da região dedicadas às denominações de origem cultivam videiras e oliveiras. O setor vitivinícola está em crescimento, com uma estrutura produtiva composta principalmente por vinícolas de pequeno e médio porte. Mais da metade delas produz menos de 100 hectolitros de vinho por ano, o que reflete a escala artesanal da produção local.
Na Úmbria, há 21 produções de vinhos de qualidade, representadas por 2 DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida), 13 DOC (Denominação de Origem Controlada) e 6 IGT (Indicação Geográfica Típica). As duas DOCG são Montefalco Sagrantino e Torgiano Rosso Riserva, ambos vinhos tintos. As DOC incluem Amelia, Assisi, Colli Altotiberini, Colli del Trasimeno, Colli Martani, Colli Perugini, Lago di Corbara, Montefalco, Orvieto, Rosso Orvietano (ou Orvieto Rosso), Torgiano, Todi e Spoleto. Já os vinhos com Indicação Geográfica Típica são: Allerona, Bettona, Cannara, Narni, Spello e Úmbria. A maior parte das DOP, ou seja, 13, está localizada no território de Perugia, enquanto as duas restantes estão em Terni. As IGP são distribuídas em 4 no território de Perugia e 2 em Terni.
Os rótulos de Montefalco representam, em termos quantitativos, cerca de 22% da produção de vinho DOP na Úmbria. Especificamente, o Montefalco Sagrantino DOCG responde por aproximadamente 8%, enquanto o Montefalco DOC, 14%.
Tradição vitivinícola na Úmbria, região da Itália Central. Foto: Cynthia Malacarne.
O Singular Montefalco Sagrantino
Poucos vinhos na Úmbria conseguem representar o conceito de terroir como o Montefalco Sagrantino. Esta Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG) é produzida exclusivamente no território montanhoso de Montefalco e em parte nos municípios de Bevagna, Castel Ritaldi, Giano dell’Umbria e Gualdo Cattaneo. A videira Sagrantino reside na região desde tempos imemoriais, sendo cultivada até pelos primeiros frades franciscanos, o que a torna uma variedade autóctone.
O nome Sagrantino tem uma história antiga e fascinante. Em 13 de fevereiro de 1240, em um castelo desconhecido da Úmbria chamado Coccorone, alguns dos falcões “sagros” preferidos do Imperador Frederico II adoeceram gravemente. Sem medicamentos eficazes, os falcões pareciam condenados até que o fiel Teodoro de Antioquia sugeriu uma infusão feita com açúcar, álcool e pétalas de violeta. Sem tempo para preparar a infusão, decidiram colocar pétalas de violeta no vinho local, doce, e oferecê-lo aos falcões. A solução funcionou, e os falcões se recuperaram. Assim, o vinho mais típico de Montefalco ganhou o nome de Sagrantino, em homenagem aos falcões “sagros”. Além disso, o evento fez a cidade mudar de nome para Montefalco, “o monte do falcão”.
Vinhos da Úmbria, Itália. Foto: Cynthia Malacarne
A uva Sagrantino é muito tânica, possivelmente a variedade com a maior concentração de taninos, necessitando de mais tempo de afinamento para suavizá-los. Por longos períodos, usava-se muita madeira e deixava-se elevado açúcar residual no vinho para “acalmar os taninos”, resultando em um vinho pesado e com alto teor alcoólico.
Uso de grande barris em busca de vinhos mais frescos. Crédito: Divulgação
Nos últimos anos, a vinificação da uva Sagrantino mudou, com a utilização de madeira de segundo ou terceiro uso e grandes barris, evitando-se o elevado resíduo de açúcar e buscando um vinho mais fresco. Ainda assim, é um vinho que necessita de tempo, tanto em barrica quanto em garrafa, sendo bastante gastronômico e harmonizando bem com carnes. A vocação dessa variedade para a vinificação no estilo passito, vinho doce de sobremesa, é igualmente notável.
Vinificação da Sagrantino no estilo passito. Vinhos da Úmbria, Itália. Foto: Cynthia Malacarne
A Versátil Trebbiano Spoletino
Não menos importante é a Trebbiano Spoletino, uma uva branca antiquíssima, de grande fascínio e personalidade. Descendo as colinas de Montefalco em direção a Spoleto, pode-se entender o que essa cultivar representa na tradição local. Não é difícil encontrar grandes plantas de videira, muitas vezes centenárias e com pé franco.
A Trebbiano Spoletino é uma variedade vigorosa, resistente a quase todas as doenças. Sua casca resistente permite que se defenda bem em anos imprevisíveis, e nem mesmo as colheitas quentes e secas são um problema, graças ao seu alto vigor e acidez significativa. Essa é a chave para entender a originalidade e as qualidades únicas da Trebbiano Spoletino. Não há outra uva branca com essas características na faixa produtiva da Itália central, onde predominam brancos com perfil mais horizontal, valorizados pela mineralidade mais que pela frescura vertical. As qualidades da Trebbiano Spoletino não se limitam à sua aromaticidade e acidez elevadas: é uma cultivar extremamente eclética e versátil, adequada para diversas interpretações estilísticas e tipologias. Os vinhos obtidos dessa uva são bidimensionais, combinando frescor aromático, estrutura ácida e vivacidade cítrica com nuances de doçura frutada, estrutura e volume salino.
Vinhos elaborados com Trebbiano Spoletino, uma uva branca antiquíssima. Foto: Cynthia Malacarne
Vinhos da Úmbria no Brasil
Infelizmente, esses vinhos não são fáceis de encontrar no Brasil. Poucas importadoras trazem Sagrantino para o nosso mercado, e Trebbiano Spoletino é praticamente inexistente. No entanto, há um projeto do Consórcio de Montefalco, agora sob a liderança do novo presidente Paolo Bartoloni, para aumentar a representatividade desses vinhos no mercado brasileiro.
Cynthia Malacarne e o presidente do Consórcio de Montefalco Paolo Bartoloni. Divulgação
Um Convite à Descoberta
Para quem planeja uma viagem à Itália, recomendo incluir a Úmbria no roteiro. Além de sua beleza natural e riqueza cultural, essa região oferece uma experiência enológica única, com vinhos que refletem a alma e a história dessa encantadora área central da Itália.
O post Úmbria – uma joia vitivinícola ainda inexplorada apareceu primeiro em Jornal de Brasília.